21 de jan. de 2011

ULTIMO DESABAFO


É fácil me condenar e acusar-me de traficante, é fácil olhar para meu jeito de ser, meu cabelo, minhas roupas e me discriminar. Meu rosto pálido, meus olhos sem brilho, minhas veias marcadas por picadas de agulha são motivos de rejeição tanto quanto o cheiro da nicotina em minha pele.
É fácil me ver como bandido e até ficar contra o indulto de natal, única chance que tenho para visitar minha família, fugir do estado ou voltar a praticar assaltos. É fácil me xingar com palavrões ao me ver nas reportagens sempre como inimigo de todos, mal caráter, bandido, sem coração, monstro, réu e uma infinidade de características.
Ninguém diz que em toda minha vida fui sempre tratado como bandido apenas por morar no morro, ninguém viu quando em minha infância sonhei com escola, com cadernos, com uma chance pelo menos para aprender a ler e escrever; ninguém me ofereceu um natal digno, ou pelo menos um brinquedo usado para realizar meu sonho de infância.
Ninguém diz que minhas irmãs entraram na prostituição para poder comprar remédios para minha mãe, vítima da tuberculose.
Não dizem que fui violentado quando criança, mal compreendido por todos e rejeitado pelos meus irmãos.
Sei que nada justifica o que sou, assim como não há justificativa para o sistema que nos empurra para o morro e nos trata como rebeldes e fora da lei.
Forçam-me a abandonar a vida do crime, mas não me dão oportunidade de trabalho, falam que sou dependente crônico e que os crimes cometidos são para conseguir drogas para manter o vicio. Quem dará emprego a um ex-presidiário?
Estou consciente do pouco tempo que permanecerei contado entre os vivos. Estou consciente da tragédia que arrasou minha vida.
Fosse o sistema mais justo, e não seriam formados marginais, fossem os marginalizados tratado com justiça e deixariam de existir, fosse a Lei tirada do papel e eu não seria vítima dos disparos que agora ceifam minha vida.
José Amauri Clemente
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