16 de out. de 2017

A COR


A cor que difere
Quando à pele fere
E quando prefere
A desigualdade,
Se torna maldade
E traz dissenções
Sem intervenções
A quem se refere

Se é vista de forma
Que nada transforma
E que pouco informa
Sobre a igualdade
Se torna maldade
E muda as ações
E as reações
A vida deforma

A cor não importa
Se bem se comporta
Se ao outro suporta
Sendo diferente
Se faz coerente
Pois ver tudo igual,
Pois ver desigual
O bem não aporta

A cor que difere
Se a pele não fere
Se a todos prefere
Ver com igualdade
Não vendo maldade
Sendo desiguais
Pois somos iguais,
Isso prolifere!


31 de jul. de 2017

SER NEGRO

O passo à frente sob a ordem do policial fez-me entender que a igualdade apregoada pelos conformados com o sistema, está longe do que deveria ser. Tivesse o policial abordado o negro da mesma forma que abordou o motorista branco a poucos minutos, teria deixado uma impressão diferente para os espectadores.
A sabatina feita ao desconhecido “negro” não teve o mesmo tom de voz nem a mesma quantidade de perguntas feitas ao motorista anterior. Não tem o negro direito a comprar um carro do ano? Não pode o negro levar seus amigos à praia sem drogas no porta malas e sem cigarros no porta luvas? O simples baixar do vidro não teria respondido aos questionamentos sobre o negro assim como respondeu as dúvidas sobre o branco?

Um país mestiço que tenta esconder sua origem, tona-se inferior apenas por não aceitar sua diversidade.

28 de jul. de 2017

O SEGREDO DE JUDITE

PUBLICADO EM 2010, REPUBLICADO EM 2017.


Não era a primeira vez que eu ouvia passos estranhos no alpendre toda vez que chegava ao portão de casa, isso me deixava, quando não irritado, curioso. Na maioria das vezes fingia não ouvir, ou tentava encobri-los com assovios enquanto caminhava em direção à porta de entrada. Sempre nervosa, Judite, a quem havia prometido perante o sacerdote e uma gama de testemunhas composta por compadres, primos e comilões, amá-la eternamente em quase todas as adversidades, vinha me receber com um caloroso cumprimento de boas-vindas. Impossível não perceber o olhar desconfiado, cabelos despenteados, lábios trêmulos, rosto pouco suado, Olhar de quem me escondia algo. Embora preferisse ser recepcionado ouvindo o nome que minha madrinha escolheu e concretizou na pia batismal, Judite sempre repetia a mesma frase: -Tão cedo Chico? Achei que iria fazer hora extra.
Embora lesse em meus olhos a pergunta, nunca me respondeu por que demorava tanto abrir a porta quando em assovios e passos barulhentos eu caminhava pelo corredor e chamava  na porta principal. Daria tudo para entender por que a chave sempre estava por dentro, a porta sempre fechada e o lenço que costumava usar na cabeça quando estava na cozinha servia de
toalha para enxugar as mãos e o rosto.
Não gostava nenhum pouco quando me tornava o principal alvo dos olhos das mulheres nas janelas ao passar pela rua, me irritava tanto quanto a dúvida o torcer dos pescoços dos moradores em pé nas calçadas ao me virem passar, parecia sentir o peso dos olhos dos espectadores em minhas costas até dobrar a esquina da padaria. Não entendi por que o padeiro não me olhava nos olhos há três semanas, nem bom dia eu ouvia de sua boca desde os primeiros passos estranhos no meu alpendre.
Terrível era pensar que depois de quarenta e nove verões, faltando sete dias para completar mais um, a mulher que há trinta primaveras me prometeu honrar enquanto vivesse, estivesse de caso com o padeiro. Embora a saída do meu quintal desse acesso à rua da padaria, o portão de traz nunca havia sido aberto com tanta frequência como nesta última semana, a chave da dispensa que nunca saiu do chaveiro preso à parede era tão visível quanto a verdade a respeito dos passos estranhos no alpendre. As noites que se seguiram pareciam ter quarenta e oito horas, os olhares flechados em mim durante o dia pareciam estar presos ao teto, enquanto os sussurros ampliados pela criatividade do ferido pareciam gritos que acordavam a vizinhança.
Porque será que a toalha que cobria a mesa no café desta manhã não era a usada costumeiramente? Esta era a pergunta que não me saia da mente enquanto caminhava pela rua
sob o olhar dos curiosos em direção ao trabalho. Tão agradável quanto a dúvida era o ecoar da
Indagação feita ao sair de casa: Vai fazer hora extra hoje? Não me lembro de ter ouvido esta pergunta durante os trinta anos de convivência, mas esta semana já era a quarta vez.
Poderia ter voltado para casa como de costume, mas nesse dia resolvi almoçar ou pelo
menos fingir em um barzinho próximo ao local de trabalho.
Poderia chegar em casa naquele dia meia hora antes do combinado e deixar que os
herdeiros da padaria dividissem a herança mais cedo. Não hoje! pensei, não vou comemorar
cinquenta anos fugindo da polícia por cometer duplo assassinato. Quem sabe depois de amanhã? No horário costumeiro resolvi voltar para casa, ao chegar ao portão, o barulho dos passos parecia mais alto, embora emudecessem ao tilintar da chave fazendo coro com meus
assovios. Parecia até ouvir respirações ofegantes, meus sentidos diziam que alguém além de
Jú estava na cozinha. O cenário era perfeito para uma noite de amor: A casa estava arrumada, embora o sofá nem tanto, parecia que crianças haviam corrido sobre ele, a sala estava tão iluminada quanto a verdade em minha mente. Parecia não haver ninguém ali, apenas parecia, pois eu podia jurar que estava ouvindo sussurros.
Com passos trêmulos fui até a cozinha, já estava próximo à despensa, para descobrir toda a verdade, precisava apenas acender a luz... O “tic” do interruptor foi abafado pelas palmas e a voz desafinada do coro: Parabéns pra você, nessa data querida, muitas felicidades, muitos anos de vida. Pasmei!

Até hoje não entendi três coisas: Como pude desconfiar de Jú; como coube tanta gente naquela despensa e como conseguiram pagar um bolo tão grande. Sei apenas quem pagou o mico em sua primeira festa de aniversário.

16 de mai. de 2017

OS TRÊS DESEJOS

AUTOR: JOSÉ AMAURI CLEMENTE

Eu um dia caminhava
Por uma praia sozinho
A beleza eu avistava
Sem ninguém no meu caminho
De repente eu tropecei
No objeto e olhei
Um candeeiro no chão
Me abaixei e peguei
E pra limpar esfreguei
O objeto na mão

Foi quando me apareceu
A fumaceira danada
Um mais alto do que eu
Gritando e dando risada
Dizendo olhando pra mim
Hô rapaz até que em fim
Você me apareceu
Me tirou desse apertado
Eu tava aqui sufocado
Sem saber quem me prendeu

Como agradecimento
Vou lhe atender três pedidos
Faço seu contentamento
Mesmo os casos mais perdidos
Peça mesmo o que quiser
Seja dinheiro, mulher
Casa ou apartamento
Que eu lhe dou de bom grado
O que for do seu agrado
Como agradecimento

Falei sem titubear
Pra ver se era verdade
Quero grana pra gastar
E matar minha vontade
O gênio estalou o dedo
Eu quase morri de medo
Quando vi aquele trem
Vinte vagões alinhados
Com os caixotes apilados
Tudo de nota de cem

Eu disse então, companheiro
Eu quero ficar bonito
Por que mesmo com dinheiro
Acho meu corpo esquisito
Faça uma cirurgia
Sem dor e sem agonia
Que eu quero mudar meu jeito
Quero ser de um jeito assim
Que quem venha olhar
Cace e não ache um defeito

Foi em questão de segundo
Eu vi meu rosto mudar
Senti um prazer profundo
Vendo meus braços engrossar
A feiura foi sumindo
Meu corpo ficando lindo
Que eu nem acreditei
Minha voz mudou o tom
Achei aquilo tão bom
Quase nem acreditei

Mas faltava outro pedido
Eu tinha que caprichar
Mesmo estando agradecido
Não podia dispensar
Me veio então na lembrança
Um desejo de criança
Que eu tive um dia na rua
E falei sem fazer greve
Quero que você me leve
Pra ver a terra da lua.

Ele ia bater palma
Eu disse: pode parar
Vá sem pressa, tenha calma
Deixe primeiro eu falar
Eu não quero ir voando
Quero ir é caminhado
E sem demora chegar
Quero vim de lá montado
Em um cavalo selado
Que eu via papai falar

Pra isso faça uma ponte
Que  vá da terra pra lua
Vá depressa, nem me conte
Qual é à vontade sua
Comece logo e ligeiro
Que eu vou guardar o dinheiro
Que é pra ninguém me roubar
E volto aqui pra saber
Pois antes do sol nascer
Amanhã quero estar lá

O gênio disse: Tá louco?
Pra que tanto desespero
Você ainda acha pouco
Eu te dar tanto dinheiro?
Como é que eu vou fazer
E me diga como erguer
Uma coluna pra lua?
Cadê o material?
Tu tá é passando mal
Sai daí, deixa da tua
  
Eu falei então se vire
O gênio aqui é você
Durma tarde, sonhe delire
Aprenda como fazer
Eu quero trabalho feito
Tudo firme sem defeito
E faça com tudo novo
E o tempo  tá correndo
Vou acabar te prendendo
Nessa garrafa de novo

Rapaz deixa eu te levar
Monte aqui nas minhas costas
Eu posso te carregar
Aceite a minha proposta
Eu disse está conversando
Eu quero mesmo ir andando
Se preciso eu levo alforje
Faça que eu tô apressado
Pois eu quero andar montado
No cavalo de São Jorge

Senhor tenha piedade
Não tem dinheiro que dê
Eu não tenho nem a metade
Do que dei para você
Falta o cimento e a brita
Pedreiro, cimento e fita
E metro para medir
Falta a colher de pedreiro
Acabou o meu dinheiro
Como é que eu vou conseguir?

Leve o resto do dinheiro
Que eu guardei na poupança
Deixe desse desespero
Isso é coisa de criança
Peça o que o senhor quiser
Até a minha mulher
Que a muito tempo não vejo
Invente que eu realizo
Rapaz pense crie juízo
Veja aí outro desejo

Tudo bem, eu vou mudar
Já que você tá pedindo
Escute o que eu vou falar
Fique esperto, tá me ouvindo?
Sim senhor, como quiser
Já fiquei até em pé
Pode falar de primeira
Qualquer coisa eu lhe atendo
Pois agora já estou vendo
Que qualquer outro é besteira


Quero que você me faça
Sem negar nem mudar planos
Na minha mente se passa
Isso já faz vinte anos
A Espera vai ter fim
Você vai fazer pra mim
Sei que pode e também quer
Vá logo e sem brincadeira
E mostre uma maneira
De entender minha mulher

Tão grande foi a surpresa
Que o gênio caiu pra trás
Tá falando de certeza
Ou tá brincando rapaz?
Tu acha que foi por quê?
Que pedi pra você
Ficar com minha senhora
Eu já penso isso a mais anos
Pode tirar dos seus planos
Era o que faltava agora!

Já que lhe devo um pedido
E preciso lhe pagar
Pra isso ser esquecido
Vamos logo conversar
O que você me pediu
Ninguém nunca conseguiu
Não era o que tu querias?
Me diga logo, me conte
Você quer que eu faça a ponte
Com uma ou com duas vias?

Nessa hora eu acordei
Com a mulher me chamando
Assustado levantei
Pra ela fiquei olhando
Pois se eu não fosse chamado
Eu tinha negociado
E sei que ele ia querer
Sei que ia levar canudo
Mas ia devolver tudo
Só pra ele me dizer


12 de mai. de 2017

TIPOS DE MÃE



Autor: José Amauri Clemente

Quando Deus teve a ideia
De criar o ser humano
Não precisou de plateia
Isso já era seu plano.
A mulher ele criou,
De dons lhe abençoou
Lhe dando beleza e brilho,
Mas de toda essa beleza
A mais bela com certeza
É o dom de gerar filho.

Mãe é completa demais,
Perfeita até quando erra,
Mesmo os filhos desiguais
Seja na paz ou na guerra,
Ela sempre tem um jeito,
Aquele gesto perfeito
Pra tudo tem solução,
Quando pode vai na calma
Se não pode esquenta a alma
E acaba a discussão.

Já vi mãe de todo jeito,
Tem aquela bem nervosa,
Quando ver algo mal feito
Não espera e nem quer prosa,
Vai logo na chinelada
No carinho ou na pancada
Joga o que tiver na mão,
Aí depois que pergunta,
Se tiver errado ajunta
Os filhos no cinturão

Tem aquela “acoviteira”
Que em tudo passa a mão,
Se o filho faz besteira
Ela diz: Se importe não!
Com o tempo você cresce,
Isso aí desaparece,
Tudo vai se resolver,
Deixa tudo como vai
Nem conte isso a seu pai
Nem precisa ele saber!

Tem a mãe atiradora
Que não erra quando atira,
Joga chinelo e vassoura
E duvido errar a mira.
Joga o que tiver na mão
Chinelo, colher, pilão
E o que poder pegar,
Gritou ela está alerta
E o pior que acerta
No canto que ela mirar.

De mãe coruja tá cheio,
O filho é sempre o mais lindo,
Todo mundo acha feio
Ela só olha sorrindo.
Pra ela não há defeito
Sempre bonito e perfeito
Seja Kaique ou Raimundo,
Menino “fei” da desgraça,
Ela diz quando lhe abraça:
És o mais lindo do mundo!

Tem a mãe perfeccionista
Quer ver tudo bem certinho,
Pensa que o filho é artista
Só quer tudo direitinho.
Diz: Deixa aí que eu conserto,
Por mais que ele faça certo
Ela diz: Está errado!
Sai daí, deixa eu fazer,
Quando é que tu vai crescer
Menino desmantelado?

E tem a mãe ciumenta
Em tudo ela tem cuidado,
Toda desculpa ela inventa
Pra ter o filho de lado.
Com quem foi? Com quem chegou?
Com quem você conversou?
Já comeu ou quer comer?
Fale tudo, seja urgente!
Quem te deu esse presente?
Diga que eu quero saber!

Quase todas profetizam
E quando diz acontece.
Alertam, falam e avisam,
O filho não obedece.
Quando diz: Vai tropeçar
Mal acaba de falar
Acontece de repente,
Se disser: Tenha cuidado,
Você vai ficar gripado,
O filho fica doente.

E tem a mãe enfermeira
Que sabe passar remédio,
Faz chá de qualquer besteira
More na roça ou no prédio.
Faz chá de casca de pau,
Bota soro, faz mingau,
Faz chá de tudo no mundo
Pra ver o filho dormir,
Só assim volta a sorrir
Sentindo um prazer profundo.

Porém a mais sofredora
Talvez seja mãe vigia,
Seu dom de mãe protetora
Lhe deixa grande agonia.
Quando o filho sai de casa
Seu coração fica em brasa
Não dorme nem se for morta,
Seus olhos voltam a ter brilho,
Quando escuta a mão do filho
Torcendo o trinco da porta.

Se aqui fosse relatar
Muitas rimas advêm
O tempo não iria dar
Palavras são mais de cem.
É pena que muitos filhos
Não valorizam os brilhos
Que da nossa mãe deriva
Quem perdeu vive a chorar
Quando deveria amar
Enquanto ela estava viva

Rima com mãe não achei
Não tem rima pra rimar,
Muitas vezes procurei
Mas não deu pra encontrar.
Isso prova que esse som
É único, perfeito e bom
E não perde pra ninguém,
Pois até Deus, Pai da luz
Quando nos mandou Jesus
Precisou de mãe também.

Não importa sua cor
Seu lugar de nascimento,
O que importa é seu valor
Seu riso e seu sentimento.
Toda mulher é perfeita,
Pois quando é mãe se endireita
Corrige os defeitos seus,
Perfeita até quando erra,
Toda mãe aqui na terra
É um pedacinho de Deus.

12 de maio de 2017