PUBLICADO EM 2010, REPUBLICADO EM 2017.
Não era a primeira vez que eu ouvia
passos estranhos no alpendre toda vez que chegava ao portão de casa, isso me
deixava, quando não irritado, curioso. Na maioria das vezes fingia não ouvir,
ou tentava encobri-los com assovios enquanto caminhava em direção à porta de
entrada. Sempre nervosa, Judite, a quem havia prometido perante o sacerdote e
uma gama de testemunhas composta por compadres, primos e comilões, amá-la
eternamente em quase todas as adversidades, vinha me receber com um caloroso
cumprimento de boas-vindas. Impossível não perceber o olhar desconfiado,
cabelos despenteados, lábios trêmulos, rosto pouco suado, Olhar de quem me escondia
algo. Embora preferisse ser recepcionado ouvindo o nome que minha madrinha
escolheu e concretizou na pia batismal, Judite sempre repetia a mesma frase:
-Tão cedo Chico? Achei que iria fazer hora extra.
Embora lesse em meus olhos a
pergunta, nunca me respondeu por que demorava tanto abrir a porta quando em
assovios e passos barulhentos eu caminhava pelo corredor e chamava na porta principal. Daria tudo para entender
por que a chave sempre estava por dentro, a porta sempre fechada e o lenço que
costumava usar na cabeça quando estava na cozinha servia de
toalha para enxugar as mãos e o rosto.
toalha para enxugar as mãos e o rosto.
Não gostava nenhum pouco quando
me tornava o principal alvo dos olhos das mulheres nas janelas ao passar pela
rua, me irritava tanto quanto a dúvida o torcer dos pescoços dos moradores em
pé nas calçadas ao me virem passar, parecia sentir o peso dos olhos dos
espectadores em minhas costas até dobrar a esquina da padaria. Não entendi por
que o padeiro não me olhava nos olhos há três semanas, nem bom dia eu ouvia de
sua boca desde os primeiros passos estranhos no meu alpendre.
Terrível era pensar que depois de
quarenta e nove verões, faltando sete dias para completar mais um, a mulher que
há trinta primaveras me prometeu honrar enquanto vivesse, estivesse de caso com
o padeiro. Embora a saída do meu quintal desse acesso à rua da padaria, o
portão de traz nunca havia sido aberto com tanta frequência como nesta última
semana, a chave da dispensa que nunca saiu do chaveiro preso à parede era tão
visível quanto a verdade a respeito dos passos estranhos no alpendre. As noites
que se seguiram pareciam ter quarenta e oito horas, os olhares flechados em mim
durante o dia pareciam estar presos ao teto, enquanto os sussurros ampliados
pela criatividade do ferido pareciam gritos que acordavam a vizinhança.
Porque será que a toalha que cobria a mesa no café
desta manhã não era a usada costumeiramente? Esta era a pergunta que não me
saia da mente enquanto caminhava pela rua
sob o olhar dos curiosos em direção ao trabalho.
Tão agradável quanto a dúvida era o ecoar da
Indagação feita ao sair de casa: Vai fazer hora
extra hoje? Não me lembro de ter ouvido esta pergunta durante os trinta anos de
convivência, mas esta semana já era a quarta vez.
Poderia ter voltado para casa como de costume, mas nesse dia resolvi almoçar ou pelo
menos fingir em um barzinho próximo ao local de trabalho.
Poderia ter voltado para casa como de costume, mas nesse dia resolvi almoçar ou pelo
menos fingir em um barzinho próximo ao local de trabalho.
Poderia chegar em casa naquele
dia meia hora antes do combinado e deixar que os
herdeiros da padaria dividissem a herança mais cedo. Não hoje! pensei, não vou comemorar
cinquenta anos fugindo da polícia por cometer duplo assassinato. Quem sabe depois de amanhã? No horário costumeiro resolvi voltar para casa, ao chegar ao portão, o barulho dos passos parecia mais alto, embora emudecessem ao tilintar da chave fazendo coro com meus
assovios. Parecia até ouvir respirações ofegantes, meus sentidos diziam que alguém além de
Jú estava na cozinha. O cenário era perfeito para uma noite de amor: A casa estava arrumada, embora o sofá nem tanto, parecia que crianças haviam corrido sobre ele, a sala estava tão iluminada quanto a verdade em minha mente. Parecia não haver ninguém ali, apenas parecia, pois eu podia jurar que estava ouvindo sussurros.
herdeiros da padaria dividissem a herança mais cedo. Não hoje! pensei, não vou comemorar
cinquenta anos fugindo da polícia por cometer duplo assassinato. Quem sabe depois de amanhã? No horário costumeiro resolvi voltar para casa, ao chegar ao portão, o barulho dos passos parecia mais alto, embora emudecessem ao tilintar da chave fazendo coro com meus
assovios. Parecia até ouvir respirações ofegantes, meus sentidos diziam que alguém além de
Jú estava na cozinha. O cenário era perfeito para uma noite de amor: A casa estava arrumada, embora o sofá nem tanto, parecia que crianças haviam corrido sobre ele, a sala estava tão iluminada quanto a verdade em minha mente. Parecia não haver ninguém ali, apenas parecia, pois eu podia jurar que estava ouvindo sussurros.
Com passos trêmulos fui até a
cozinha, já estava próximo à despensa, para descobrir toda a verdade, precisava
apenas acender a luz... O “tic” do interruptor foi abafado pelas palmas e a voz
desafinada do coro: Parabéns pra você, nessa data querida, muitas felicidades,
muitos anos de vida. Pasmei!
Até hoje não entendi três coisas:
Como pude desconfiar de Jú; como coube tanta gente naquela despensa e como
conseguiram pagar um bolo tão grande. Sei apenas quem pagou o mico em sua
primeira festa de aniversário.
Nenhum comentário:
Postar um comentário