Autor: JOSÉ AMAURI CLEMENTE
CORDEL VENCEDOR DO PREMIO LITERATURA DE CORDEL DA SECULT-AL
No Nordeste vi de tudo
De engraçado a tristonho
Já vi rico ficar pobre
Vi pobre conquistar sonho
Mas nada tão divertido
Quanto o botequim do Tonho
Ficava bem na esquina
Quase no final da rua
Pois quando alguém desejava
Matar à vontade sua
Passava a noite bebendo
Cantando ao claro da lua
E nos finais de semana
Era bem mais demorado
Se juntava velho e moço
Os casais de namorado
E dependendo das datas
Até os casais casados
Uns chamavam botequim
Boteco bar ou batuca
Espelunca e pega bebo
Tasca, bodega ou baiuca
Morada do pé inchado
Bodega ou Esfria cuca
De seu Tonho a freguesia
De vez em quando mudava
E quem comprava fiado
As vezes nem lhe pagava
Mas só fazia uma vez
Por que seu Tonho lhe marcava
Seu Tonho anotava tudo
No caderno do fiado
E somente ele entendia
O que tinha ali notado
Quem pagava tinha crédito
Velhaco era excomungado
Vendia quase de tudo:
Farinha, arroz e feijão
Pão francês, bolacha seca
Querosene em garrafão
Manteiga, charque e sardinha
E as vezes macarrão
Porém o que mais vendia
A noite e fim de semana
Era Conhaque e Zinebra
Cachaça feita da cana
“Vim” Jurubeba e Pitú
Nordestina e Caninana
As conversas que haviam
Vale a pena relatar
Eram fatos engraçados
O leitor vai concordar
E por isso algumas delas
Eu aqui vou recordar
Com erros no português
Cigarro preso no dedos
Cusparada e palavrões
As vezes criavam enredos
Os fregueses se sentavam
Para revelar segredos
Zequinha uma vez contou
Que foi uma pescaria
Tentou quase a noite toda
Pois já no raiar do dia
Não tinha pescado nada
E era uma noite fria
E para esquentar o quengo
Uma garrafa levou
De pinga bem temperada
Dentro da bolsa botou
E foi pescar de anzol
Por isso nada pescou
- Pescar de anzol de noite?
Foi Zequinha interrogado
Disse ele: E o que que tem?
Você tá desinformado
Vou contar aqui um caso
Que comigo foi passado
- Lá no sitio Gitirana
Vou contar sem fazer graça
Pego peixe toda noite
Só com dose de cachaça
Já contei pra todo mundo
Quando tava aqui na praça
Quando seu Tonho lava os copo
Nessa água da bacia
Que joga a água no brejo
Peixe novo que se cria
Se vicia na cachaça
-Credo em cruz, ave Maria!
E quando eu quero pescar
Já faço isso primeiro
Encho o copo e jogo n’agua
Quando os bichim sente o cheiro
Corre tudo pra beirada
Chega vem assim ligeiro
Eu vou derramando as dose
E eles vão se chegando
Daqui a pouco tão bebo
Um a um eu vou pegando
- Eita mentira da peste
Passou um bebo gritando
- Eu faço isso com fumo
Disse o colega sagaz
Sabendo que era mentira
Não quis ficar para trás
- Com fumo fica mais fácil
Vou dizer como é que faz
As bituca de cigarro
Quando daqui é varrida
Seu Tonho ajunta no lixo
E no rio é sacudida
Os peixe novo tudinho
Se vicia nessa lida
Vão fumando as bituquinha
Daqui a pouco os coitado
Sem querer os maiozinho
Tão tudinho aviciado
Aí quando eu boto a isca
É mais fácil ser pescado
Faço um cigarro de paia
Boto na beira do rio
Deixo lá e me afasto
E de longe eu só espio
De noite eles sai da água
Para não morrer de frio
Ficam doido pra fumar
Sente o cheiro da fumaça
Eu afirmo pra você:
É melhor do que cachaça
Até porque as bituca
Posso conseguir de graça.
Em outra situação
Ao leitor vou relatar
Juca era outro freguês
Que costumava comprar
Muitas de suas histórias
Não dava pra acreditar
Conversava com Toinho
Neto de dona Fulor
Começaram a bater papo
Cada um com mais fervor
Tudo contando vantagem
Quem suportava mais dor
Disse Juca: Sentir dor?
É besteira e eu nem ligo!
Home que é home não chora
Eu sou forte meu amigo
Vou contar um caso a tu
Que aconteceu comigo
Mês passado eu quase morro
Meu dente tava doendo
Passei a noite acordado
Parece inté que tô vendo
Era dor de matar um
Passei a noite gemendo
Resolvi então dar fim
A dor que me perturbava
Lavei a boca com cana
Da garrafa que eu tomava
Tomei chá e comprimido
Para ver se a dor passava
De manhã pra me ver livre
Resolvi já o embate
Fui na mala de ferragem
Dei garra de um alicate
Arranquei de um por um
Com medo que a dor me mate
- Por isso tu tá banguelo?
O bêbado tomou a frente
Tu não tem vergonha não
De contar isso pra gente
Fica inventando mentira
Só pra dizer que é valente
Com medo de uma dorzinha
Tivesse uma dor maior
Eu aguento sem chorar
O meu caso foi pior
Aconteceu mês passado
Lá no sitio do major
O major mandou levar
Sua filha na fazenda
Fica a mais de vinte légua
Vou dizer, não me ofenda
O que vou falar agora
Acredite, não é lenda
Você sabe que expedita
É bonita pra danar
Botei ela na garupa
Rapaz, quando eu fui montar
Bati meus ovos na sela
Que vi a luz se apagar
Fiquei numa posição
Sem poder me endireitar
Ela já tava montada
Eu não quis lhe incomodar
E mesmo eu não sou medroso
Não sou frouxo pra chorar
Andei mais de vinte léguas
Com os pissuído impressado
Mermo fazendo careta
Fui ali todo animado
Se fosse algum de vocês
Tava aí todo cagado.
Sempre no final da história
Tinha alguém para inventar
Cada vez uma maior
Essa que vou relatar
Aconteceu à tardinha
Ao leitor vou explicar
Foi zé Romeu que falou
Tomou a frente primeiro
Estavam contando fatos
Da briga de dois carneiro
Que eles davam cabeçada
De estremecer o terreiro
- Vocês sabem muito bem
Zé Romeu foi explicando
Acho que vocês já viram
Como é dois bicho brigando
Ficam dando cabeçada
Um no outro marretando
Foi a semana passada
Esse caso que se deu
Dois carneiros lá no sitio
Um de Tonho e outro meu
Dava tanta cabeçada
Que o pé da casa tremeu
Se afastaro um do outro
Que é para a força aumentar
Ficaram uns quarenta metros
Pra posição melhorar
Partiram com mais de cem
Pra ver quem ia ganhar
Quando um no outro bateu
Foi uma pancada triste
Pode crer não tô mentindo
Fique aí atento, assiste!
O que vi naquela tarde
Parece que não existe
Vi um bicho entrar no outro
Sem brincadeira rapaz
Ficou com duas cabeças
Uma na frente outra atrás
Acho que uma cena dessa
Eu não vejo nunca mais
O bêbado gritou de novo:
Eita mentira infeliz!
Cuidado, quem mente muito
Lhe faz crescer o nariz
Fica difícil demais
Acreditar no que diz
Tem um caso parecido
Porem mentira não é
Aconteceu mês passado
Na casa de seu Mané
Esse caso para crer
É preciso muita fé
A história é parecida
Com a que você contou
Na hora da cabeçada
Nenhum dos dois acertou
Pegaram longa distancia
Por isso um dos dois errou
Mas na carreira que vinham
Não conseguiram parar
Passaram um pelo outro
Que mal deu para enxergar
Passaram como fumaça
Só vi o vento soprar
Sumiram no fim do mundo
Que parecia rajada
Mas Jacó de seu Mané
Disse a semana passada
Que passou pelo coitado
Perto de Serra talhada
São quase quinhentas léguas
Ele sem poder parar
Tava com língua de fora
Sem o freio funcionar
Ninguém não tem nem ideia
De quando ele vai parar
- E o outro que errou?
Perguntou Toninho de Artur
Oxe! bateu a cabeça
Lá na pedra do Urubu
E entrou todinho na pedra
No to dizendo pra tu?
Falar de quem corre muito
Eu agora tô lembrado
De um caso que pai contava
Tem uns dois anos passado
Começou Toninho de Arthur
A falar desconfiado
Vovô tinha um jumentinho
Ligeiro que só o vento
Um dia ele resolveu
Experimentar o jumento
Para ver se ele corria
Vou contar nesse momento
No sitio que mãe morava
Tinha uma estrada comprida
Que dava mais de cem léguas
Toda de terra estendida
Com uma estaca bem reta
Com aquela parecida
Papai mirou na estrada
A espora foi metendo
O jumento deu um salto
E partiu doido correndo
Papai esticou os braços
Veja bem, eu tô dizendo
E com o braço estendido
Como um vento que ataca
Ele encostava a vareta
Que batia na estaca
Fazia um taratatá
Parecendo uma catraca
Gritou o bêbado de novo:
Essa aí eu não aceito
Mentir tanto dessa forma
Isso já é desrespeito
Se é para mentir assim
Nosso encontro está desfeito
Mas antes que vá embora
Deixe eu contar primeiro
Papai tinha um jumentinho
Esse sim era ligeiro
Vou contar só esse caso
E vai ser o derradeiro
Papai montado no jegue
Resolveu fazer o teste
Partiu de caruaru
Numa carreira da peste:
-Quero ver se esse jumento
Ainda dar para o que preste
Já de Garanhuns pra lá
Ele disse que nem viu
Papai forçou mais um pouco
Porém o jegue caiu
Coitado! Já estava morto
Tentou, mas não conseguiu
Papai mediu a pressão
Viu que o jegue estava frio
Quando percebeu o caso
Deu-lhe logo um arrepio
Disse: eu não tenho certeza
Mas acho que desconfio
Desconfio mais aceito
E sei que não é besteira
Se entendo bem o caso
Depois de ver a carreira
Esse jumento morreu
Lá perto da cachoeira
Ficar a mais de dez léguas
Daqui para chegar lá
Mas na carreira que vinha
Não tinha como parar
Subiu de lá no arranque
Pra poder aqui chegar.
Entra mais um na história:
- Eita mentira do cão
Nesse dia eu tava lá
Mas eu não vi isso não
Eu vi seu pai encostado
Na grade de um caminhão
- Foi o carro que parou
Pra lhe dar uma carona
Era um caminhão de estaca
Tava coberto de lona?
Era uma trucada veia
Daquelas bem antigona
Tinha furado o peneu
E papai tava ajudando
O macaco sem ter força
E o motorista chorando
Papai teve uma ideia
De ajudar o cigano
Papai sempre foi esperto
Viu um cururu de lado
Ele empurrou pra debaixo
Do caminhão carregado
E pra confirmar o caso
Ficou assim relatado
Futocou com uma vara
O sapo chega tremeu
Inchou que só a mulesta
E o carro suspendeu
Com a ajuda do dono
Papai trocou o pneu.
Fi da peste mentiroso
Gritou seu Tonho já cansado
Botou todos pra correr
Como cachorro zangado
Apagou o candeeiro
E o botequim foi fechado
No botequim de seu Tonho
Muita coisa ainda passa
Histórias risos e fregueses
Uns sorrindo das desgraças
O que nunca falta ali
É muita mentira e cachaça.
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