AUTOR: JOSÉ AMAURI CLEMENTE
Esse conto recebeu menção honrosa no concurso de contos realizado pela Secretaria de Cultura de Alagoas.
Gileno era daqueles caras
que levava a sério o que o pai dizia. Fora ensinado desde menino que homem que
é homem não foge da luta, principalmente em briga de rua, lugar ideal para se
pegar nome e ficar famoso.
Já com dezessete anos de
idade, pensava ainda como um garoto de doze e acreditava ser invencível, por
isso adorava meter-se em confusão. Mal acabava de entrar no campo e pronto! O
time inteiro se desesperava, a bagunça estava armada. Quase sempre estava
errado, mas quem ousaria enfrentar Gileno Pé de ferro? Os torcedores presentes
no campo nos domingo e feriados estavam mais pelos arranca-rabos durante a
partida do que mesmo pelos gols.
A frase mais conhecida no
final de cada briga ou discussão era formada com palavras desconhecidas pelo
dicionário português, mas bem popular no cotidiano dos jogadores:
- Cumigo é assim mermo, quem num aguentá
que se isproda!
Seus cento e oitenta e
dois centímetros de altura lhe dava total confiança, e medo a quem de baixo lhe
olhava, ninguém ousava lhe enfrentar, bastava o nome e toda molecada tremia,
não eram poucos os que sonhavam em tirar seu pigarro de valentão. Mas isso era sonho!
Em contraste com seu
tamanho e peso, apareceu não se sabe de onde, Pedrinho Pitoco, que apesar de
não parecer, tinha lá seus trinta e cinco anos de idade. Ganhou esse apelido
por ser de pequena estatura, pois sofria de nanismo. Tudo que se sabia sobre
sua origem era que havia trabalhado em circos como palhaço, nada mais. Era um
cidadão pacato, sem muitas palavras, contrastando em tudo com Gileno Pé de ferro.
Sob gargalhadas, o
pessoal da redondeza recebera a notícia de que Pedrinho Pitoco passara a fazer
parte do time que iria disputar a final do campeonato local.
- Eita peste! Esse tá
lascado, vai jogar justamente contra Gileno?! Num vai sobrá nem a chutêra!
Antes do horário marcado
a redondeza do campo já estava lotada. A torcida estava com mais interesse na
briga que com certeza seria iniciada por Gileno pé de ferro, do que mesmo na enxurrada
de gols que o time de Pedrinho iria levar.
Bola em campo e todos os
olhares atentos. Um olhar, porém, precisava estar mais atento ainda: O de
Gileno. É que no dia anterior havia levado um contratempo de um moço que ele
havia insultado na pequena praça da vila. Um descuido e tome! Levou um soco no
olho. No dia seguinte todos já estavam sabendo que o valentão havia apanhado e
a revanche poderia ser no dia da final do campeonato.
Que nada! O “agressor”
nem deu as caras, não se sabe se por medo ou por não poder andar. Mesmo sem
perder a briga, Gileno precisava recuperar o nome de valentão, pois homem que é
homem não apanha.
Quase onze horas da manhã e o time do valentão
estava perdendo de um a zero, Pé de ferro tinha menos de vinte e cinco minutos
para recuperar o nome e virar o jogo para manter seu time invicto.
O sol forte, o cansaço e
a visão embaçada foi o trio responsável por fazer Gileno escolher o mais
baixinho do time adversário, embora parecesse gordinho era pequeno o suficiente
para não lhe causar medo e poder iniciar o quebra-pau.
Na certeza de que uma
entrada brusca levaria o gordinho ao chão e esse deixaria aos berros o campo,
Pé de ferro partiu com mais de mil para cima da pobre vítima. Pobre vilão!
Tarde percebeu que aquele pequeno indivíduo era Pedrinho Pitoco, que segurou o
impacto e nem se abalou. Pé de ferro deu um grito que se pudesse ser medido em
centímetros passaria seu tamanho. O jogo parou! Pitoco não se desesperou, ficou
em posição de defesa. Os gritos de vaias que superaram os de gols incentivaram
Pé de ferro levantar-se e partir como um furacão contra Pedrinho Pitoco, que
com um movimento deu-lhe um balão que quase lhe estoura os ouvidos.
- Vai Pitoco!
- Vai Pé-de-ferro!
A torcida se dividiu, o
jogo acabou e o campo virou ringue, os chutes e pontapés que Pé de ferro
acertava em pitoco eram tantos quantos os gols que seu time havia feito naquela
partida: Nenhum! O anão tão rápido quanto um raio se desviava dos ataques do
gigante, que com gritos praguejava em meio a assovios e vaias.
Não fosse os mais
ajuizados terem tomado a iniciativa de segurar os dois, Pé de ferro teria
virado ferrugem.
Partida encerrada, final
de campeonato cancelada. Nasce um herói e morre um vilão. Nas redondezas não se
falava outra coisa: O Pé-de-ferro enferrujou.
Nunca mais Gileno Pé de ferro
fez arruaças. Quando lhe chamavam para jogar, bastava ele se exaltar um pouco
para a torcida gritar:
- Cuidado com o anão, pé
de ferro!
Poderia ter nascido daí o
ditado: Um dia é da caça, outro do caçador.
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