28 de jan. de 2015

SEPARAÇÃO DE BENS



JOSÉ AMAURI CLEMENTE

Seu dotor eu num sei ler
Por isso vou lhe falar
É pra o senhor escrever
O que vou lhe relatar
Escreva aí no papé
Prumode a minha mulé
Não me dar um prejuízo
Que a gente vai separar
Pra ela num me enganar
E eu ter que sair liso

Em trinta anos de casado
Trabaei de fazer medo
Dormindo tarde e cansado
Isso nunca foi segredo
E depois dos fio criado
Eu vivo aqui revortado
Com a minha companheira
Que hoje quer me deixar
Pensando que vou lhe dar
A minha furtuna  inteira

Anote aí seu dotô
Que eu vou começar dizer
Hoje tenho seis tamburete
Duas vassoura de sambê
Com os cabo bem alinhado
Um sapato invernizado
Por que o outro se rasgô
Um cinturão amarelado
Feito de cordão trançado
De um punho que se quebrou

Uma rede ainda boa
Com um buraquinho rasgado
Aguenta duas pessoas
Se não for muito pesado
Um pote ainda meio d’àgua
Um radim pra minhas mágua
Eu esquecer escutando
Só farta mesmo consertá
Mode o danado tocá
Quando eu tiver trabaiando

Não esqueça de anotar
O meu copo transparente
Que serve pra eu tomar
Os meus gole de aguardente
Meus três tijolo batido
Que tá no quarto escondido
Pra fazer o meu fogão
Se eu não tivesse guardado
Ela já tinha levado
Ô mulé sem coração!

A minha cama só farta
Dez vara pra terminar
A esteira tá bem arta
Cumade vai terminar
O candeeiro tá furado
Mas tá cum sabão tampado
Só vaza quando tá cheio
Isso pra mim não é drama
Por que ele só derrama
Se tiver pra lá de meio

A cachorra tá doente
Só pariu dez cachorrinho
Não esqueça do meu pente
Que só tem oito dentinho
Mas serve pra pintiar
Quando eu vou viajar
Um dia a cada dez mês
A camisa sem botão
A bermuda e o calção
Que paguei de doze vez

Um cabo de cavador
Que ganhei do marcinero
Um pé de ventilador
Um coro vei de pandeiro
O cabo de uma viola
Um vidro de botar cola
Que me serve de caneco
Catoze espiga de mio
E um pedaço de fio
Que é a tramela de um buteco

Minha escova dessa vez
Nem precisa anotar
De dente eu só tenho três
Pra que desgraça escovar
Todo dia era uma briga
Por que aquela bixiga
Queria escovar primeiro
Como os meus dente era mais
Ela tinha seu rapaz
Que fica pru derradeiro

A peneira e o balaio
O quengo de tirar sopa
Aquela parte do gaio
Que a gente pendura ropa
Pode botar anotado
O meu caçoar rasgado
Onde os gato tão deitado
Pensa que pertence a ela?
É a cama da cadela
Não pode ser retirado

Eu só vou deixar pra ela
Pra no dizer que sou rim
Um filhote da cadela
E um abano novim
Meu fecho de lenha verde
E pra não morrer de sede
Vou abrir mão da quartinha
Só tá com gogó quebrado
Mais se bota com cuidado
Sustenta a água todinha

E por isso seu dotô
Eu vou dá castigo a ela
Vou retirar todo amor
Que dei aquela cadela
Ela vai ter que escolher
Se vai comigo viver
Quero ouvir isso primeiro
Quero saber meu amigo
Se ela vai viver comigo
Ou com o fio do fazendeiro.


JOSÉ AMAURI CLEMENTE
JANEIRO 2015