20 de mai. de 2014

MUDANÇAS NO MEU SERTÃO II



Seu moço eu tô espantado
Por eu ver tanta mudança
Fico inté aperreado
Chega me dá umas ança
Vontade de vomitá
Quando eu oiço falar
Das mudança do Nordeste
Pois hoje tudo mudô
Parece que num ficô
Nem uma coisa que preste

O Nordeste de hoje em dia
Não é o que conheci
Não tem mais tanta alegria
Que no meu tempo vivi
As festas tudo mudaro
E diferente ficaro
Acabou-se o que era bom
Inté as musica tocada
Só tem batuque e zuada
E ritmo fora do tom

No meu tempo companheiro
As coisa era diferente
Mermo fartando dinheiro
Todos vivia contente
As festa era de verdade
Não havia farsidade
Pois todo mundo brincava
As brincadeira sadia
E o povo com alegria
Nem em mardade pensava

Onde estão os violeiro
Que no meu tempo cantava
Que a tarde no terreiro
Com os seus canto alegrava
Cadê os rádio ligado?
Cadê os cuscuz relado
Que mamãe tanto fazia?
Sob a luz do candinheiro
Quanto acordava primeiro
Antes de amanhecer o dia

No meu tempo se fazia
Festa junina animada
Tinha forró e quadria
Pamonho, mio e quaiada
Tinha fogueira queimando
Traque lá fora estralando
Com os mínino correndo
Vendo as brasa da fogueira
E as menina brejeira
Assando mio e comendo

No meu tempo os filhos tinha
O respeito pelos pais
Coisa que na vida minha
Eu morro e não vejo mais
As moça só namorava
Quando o pai delas deixava
Ou então era escondido
Hoje é tudo diferente
Abraça e beija na frente
E diz: esse é meu marido

Nas dança de antigamente
Só se dançava agarrado
Hoje é tudo diferente
Tem uns tal dum rebolado
Umas danças sem sentido
Muié troca de marido
Cuma quem troca de ropa
Só gosta dos preguiçoso
Estes metido a manhoso
Que fala com a língua tropa

Sinto bastante sodade
Das farinhadas que tinha
Poca luminosidade
Com o forno chei de farinha
As maedoqueira sirria
Que as madrugada se ia
Ligera que nem o vento
Lembro disso e fico triste
Por que hoje só existe
Dentro dos meus pensamento

Os jove de hoje não sabe
O que é uma quartinha
Dentro da mente não cabe
As coisas boa que tinha
Só tem tempo pra bungá
Em uns tá de celular
E uns apareio nos uvido
As coisas boa de outrora
Se acabaro foro imbora
Foi pelo tempo esquecido


As pranta e os passarinho
Que inspirava o sentimento
Não existe um só tiquinho
Os que tem tão no relento
Acabou-se os animá
Não tem peixe pra pescá
Os rio tudo secaro
Os vaqueiro e capataz
Acabou-se não tem mais
Tudo isso se acabaro

Cacimba, pote de barro
Cristaleira e armazém
Os boi arrastando os carro
Já percurei mas não tem
Rapadura nem se vê
Doce de côco, e cadê?
Nada disso se conhece
Tudo desapareceu
O meu Nordeste esqueceu
Mas comigo permanece

Passador, mourão, cancela
Tramela, esteio, peituri
Estribo, cabestro e sela
Cimente de uricurí
Briantina e carrapicho
Corda para amarrar bicho
Nada disso aqui se vê
Meu Nordeste se esqueceu
Com o tempo esmoreceu
Ninguém num quer mais sabê

Fogão de lenha e pilão
Doce  de côco e beiju
Cuié de pau, tramelão
Vei- de- roda e caitatu
Forno de fazer farinha
Som de viola a tardinha
Que os verso aqui cantava
Bacaiau, peixe e pescada
Fogareu de panelada
Com banana verde e fava

Foice, inchada e cavador
Chucalho, rédia e cabresto
Cassuar e passador
E cipó de fazer cesto
Pra os de hoje é novidade
Não conhecem na cidade
A língua do meu Sertão
As palavras aqui escrita
Hoje parece esquisita
Não se conhece mais não

O avanço seu dotô
É bom por um lado sim
Mas aqui tudo mudô
Por outro lado é ruim
Pois já tô veio e cansado
E das coisas do passado
Só na lembraça se ver
Só vou deixar de lembrar
Das coisas do meu lugar
Um dia quando eu morrer

Autor: José Amauri Clemente
20 de maio 2014


11 de mai. de 2014

CASA GRANDE

 
Seu dotô me dê licença
Pois eu preciso falar
Me oiça com paciença
E permita eu me sentar
Pois já tô veio e cansado
Pelo tempo maltratado
E pelas doença moído
Tenho oitenta e três janeiro
Desde mínimo vaqueiro
Hoje veio e esquecido

Seu dotor, oiça e me entenda
Pois assim ouvi falar
Que o casarão da fazenda
O sinhô vai derrubar
Construída por seus pais
Hoje com cem ano ou mais
Casa onde o senhor nasceu
Que tem história gravada
Que pra sempre será contada
Os fatos que alí viveu

Seu dotô olhe pra ela
Hoje veia e desbotada
Com as parede amarela
E pelo mofo manchada
Essa casa seu dotô
Tem história sim sinhô
Se ela  pudesse falar
Os causo de sua vida
As história aqui vivida
Ela iria lhe contar

Lembrar toda sua infança
De quando o senhor nasceu
Desde que era criança
E como nela cresceu
Pois foi nela sim sinhô
Que o sinhô istudô
Para ter conhecimento
Agora que tá formado
Por que é home estudado
Vem com seus esquecimento

Essa casa seu dotô
Tem a histora dagente
Tudo que aqui se criô
Vai viver eternamente
As manga que nós cuiemo
No alpendre se sentemo
Pra comer fazendo graça
Está aqui no meio peito
Já tentei não teve jeito
Esses momento não passa

As cantiga de toada
Que a noite se cantava
Enquanto sua empregada
Café pra gente botava
Os cachorro que latia
Quando alguém aparecia
Nas madrugada sozinho
Todas essas emoção
Guardei no meu coração
Reservado num cantinho

No terreiro com os minino
No batido desse chão
No verão de tino a tino
O sinhô jogava pinhão
Lembro das festa junina
Que o sinhô cum as minina
Corria na inocença
Brincava de ser cumpade
Tivemo muitas cumade
Essa era a nossa crença

Dentro das parede dela
Bate o nosso coração
Mermo sendo assim singela
Sem aparência e afeição
Tem história registrada
Que nunca foram apagada
Mermo sendo de outrora
O que vivi nesse chão
Sinto a merma sensação
Como se vivesse agora

Essa casa seu dotô
Ela não é sua somente
É de todo os moradô
Que aqui prantou semente
Pois ela tem um passado
Que nunca foi apagado
Queira o sinhô ou não queira
Por isso eu estou chorando
Mermo o sinhô achando
Que o que sinto é besteira

Lembro sempre das buchada
E dos forró no terreiro
Das pingas e das feijoada
E das festas de janeiro
Das festas de são José
Dos foguete e buscapé
Que nos terreiro sortava
Das menina bem vestida
Que se mostrava atrevida
Quando a gente paquerava
 
Ali torremo castanha
De pega-pega brinquemo
Vimo muito coisa estranha
Mas nunca nos assustemo
Eram historia bunita
Que cantava mamãe Nita
Pra fazer medo pra gente
Depois contava em segredo
Fiz isso pra fazer medo
Pode ir dormir contente

Samba de coco e pagode
Mio assado na fogueira
Bacaiau,  carne de bode
Que se trazia da feira
Pra comer com os morador
Uns  home trabaiador
No fim da tarde sentava
Foi aqui nesse terreiro
Que vi muitos violeiro
Que sentado improvisava

Lembro o rádio que ligava
Antes do cantar do galo
Um mourão que alí estava
Para amarrar meu cavalo
Quando eu ia selar
Pra sair pra campear
A boiada do seu pai
Já chorei disso lembrando
Mesmo eu lutando, lutando
De dentro de mim não sai

Tudo isso se acabou
Depois que seu pai morreu
O senhor não conservou
Nossos costume esqueceu
Agora só resta a casa
Meu coração arde em brasa
Ao receber o recado
Que o senhor vai destruir
Para outra construir
Por isso estou magoado

Seu dotô, meu companheiro
Me faça essa caridade
Dexe eu morrer primeiro
Pra fazer essa mardade
Só farta mais um pouquinho
Espere mais um tiquinho
Até eu ser enterrado
Prometo de coração
Que o que vivi nesse chão
Será comigo levado

Afina só resta eu
Do tempo veio passado
Todos da idade deu
Já foram aqui enterrado
Só me resta o casarão
Que me dar como visão
O conforto do passado
Quando lembro com alegria
As noite de poesia
E os verso improvisado

De anos são mais de oitenta
Vivido nessa fazenda
O sinhô só tem cinquenta
É certo que não entenda
Sei que o sinhô é herdeiro
Pois herdou todo dinheiro
Que o seu pai lhe deixou
Mas o que o meu peito traz
Pra mim vale muito mais
Do que o que o sinhô herdou

Essa casa meu patrão
Não é parede somente
Ela tem um coração
Que bate dento da gente
Tem passado construído
Que nunca será perdido
Pois mais de cem anos tem
E o coração que tem lá
Um dia só vai parar
Quando o meu parar também

Ao ouvir o meu pedido
O patrão chorando tava
Disse eu estava esquecido
E nem mais disso lembrava
Mais em homenagem aos vaqueiros
E a todos os violeiros
Que aqui cantaram bem
Juro pela minha vida
Que ela só será destruída
Quando eu morrer também

Essa casa meu vaqueiro
Vai ser símbolo do passado
Vai relembrar os seus janeiros
Fatos aqui registrados
Pois enquanto eu viver
A ela vou proteger
Mesmo que seja com a vida
Será símbolo do passado
E que eu seja castigado
Se um dia for esquecida.



José Amauri Clemente
Maio 2014


5 de mai. de 2014

COISAS DE POBRE



Vou contar nesse meus versos
Se eu errar você me cobre
Vou relatar o que faz
A pessoa quando é pobre
Se assim não procedeu
É por que você nasceu
Numa família de nobre

Todo pobre já usou
Bombril na televisão
Amarrado na antena
Pra melhorar a visão
Também muito confiante
Já amarrou um barbante
Pra segurar o calção

Todo pobre já usou
A escova de um parente
Por ter esquecido a sua
Para escovar os “dente”
Ou botou a pasta não mão
Com o dedo dando esfregão
Mostrando ser diferente

Todo pobre já passou
Ou vive um momento mal
E quando usou o banheiro
Precisou usar jornal
E por não ter a melhora
Já passou mais três “hora”
Na fila de um hospital

Todo pobre treme logo
Quando fala com um juiz
E mesmo sem dever nada
Diz: eu juro que não fiz
Quando vai a um casamento
Come que só um jumento
Sai sorridente e feliz

Todo pobre já juntou
Num cantinho do banheiro
Um monte de sabonete
Pra economizar dinheiro
Junta tudo num montão
Que é para fazer sabão
Com gordura de carneiro

Todo pobre na mudança
Já levou um tamborete
Um feixe de lenha seca
Uma vara e um cassete
Pra tanger cachorro “brabo”
Comeu feijão com quiabo
E disse fiz um banquete

Todo pobre já levou
O filho para a escola
Reclamando do atraso
Com os livro numa sacola
Enquanto ele chuta adiante
Lata de refrigerante
Dizendo que uma bola

Todo pobre já sentou
Pra assistir futebol
Sentado no chão sozinho
Enrolado no lençol
Com um litro de pitu
“Mei” quilo de sururu
Que não  pega de anzol

Todo pobre já pediu
Farinha e sal emprestado
Fosforo tempero ou açúcar
Por ter o dele acabado
Ou então por estar liso
Pra ter ou dar prejuízo
Saiu pra comprar fiado

Todo pobre já esquentou
Uma caneta no fogão
Pra ver se ela pegava
Ou esfregou com a “mão”
Apontou lápis com faca
Com os dedos já comeu jaca
Limpou com óleo e sabão

Todo pobre já botou
Um prego pra sustentar
A correia da sandália
Pra poder aproveitar
O restinho do solado
Teve que comprar fiado
Pra depois ter que pagar

Todo pobre já passou
Vergonha no “mei” do povo
Já comeu feijão de corda
Fava com rabada e ovo
Café com charque e cuscuz
Ficou sem pagar a luz
Pra ser cobrado de novo

 Todo pobre já espremeu
Pasta de dente vazia
Botou uma força danada
Pra ver se ela rendia
Ou escovou com sabão
"Acocorado" no chão
Por não ter água na pia

Todo pobre já pegou
Carona pra viajar
No carro de algum amigo
Foi por não poder pagar
Mesmo sem ter um cruzado
Bateu um papo danado
Pra poder se desculpar

Todo pobre já entrou
Numa loja pra olhar
O vendedor se aproxima
Querendo lhe ajudar
Por não ter ele um cruzado
Diz assim: Muito obrigado!
Estou só a observar

Tem muita coisa de pobre
Que eu poderia escrever
Sei que pelos menos uma
Tu já chegou a fazer
Não me venha com conversa
Sai daí e deixa dessa!
Tu não quer mesmo é dizer

Digo isso sem vergonha
Sem ter medo de dizer
Com versos aqui relato
No papel vou escrever
Digo a verdade e bem sei
Quase todas que citei
Eu já tive que fazer

José Amauri Clemente
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